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Saúde e educação precárias levam moradores de reserva a recorrer a cidades

Santarém (PA) - Na comunidade Anã, alunos de ensino médio tem aulas em um galpão - foto: José Cruz/Agência Brasil

Santarém (PA) – Na comunidade Anã, alunos de ensino médio tem aulas em um galpão – foto: José Cruz/Agência Brasil

 

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Postos de saúde e escolas com estruturas improvisadas e temporárias não são raras nas comunidades da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns. A falta de qualidade nesses serviços leva várias pessoas a deixarem as comunidades tradicionais e se deslocarem para cidades próximas. Um dos principais destinos é Santarém.

Dos quatro filhos do artesão Raimundo Valdir Ferreira, 52 anos, morador da comunidade Nova Vista, apenas Ravel, 12 anos, ainda mora com a família na reserva. As mais velhas estudam em Santarém – mesmo destino de Ravel assim que completar o ensino fundamental. “Pagamos R$ 250 por mês de aluguel para as meninas. Elas ficam todas juntas na cidade. Fica um pouco pesado, mas hoje em dia o que vale é ter estudo”, diz o artesão.

De acordo com a prefeitura de Santarém, há 32 escolas da rede municipal, responsável pela oferta do ensino fundamental, na reserva extrativista. No total, 6.005 alunos são atendidos.

O maior problema, entretanto, está na oferta do ensino médio. Há também problemas de infraestrutura. Na comunidade Anã, por exemplo, os alunos tem aula em um galpão improvisado.

Além disso, nessa etapa de ensino, quando não se tratam de escolas indígenas, as matérias são oferecidas de forma modular, distribuídas ao longo do ano e ministradas por professores de Santarém ou outras cidades próximas. Isso faz, por exemplo, com que os estudantes tenham contato com biologia ou história apenas durante os meses em que os módulos são ministrados, e não durante todo o ano letivo.

 Santarém (PA) - Escola Municipal de Ensino Fundamental São Sebastião, na comunidade de Mentai - foto: José Cruz/Agência Brasil

Santarém (PA) – Escola Municipal de Ensino Fundamental São Sebastião, na comunidade de Mentai – foto: José Cruz/Agência Brasil

 

A falta de estrutura na saúde também obriga os moradores a deixarem as comunidades.

“Se alguém tem uma doença mais grave como câncer, não tem como ficar aqui, tem que estar em Santarém. Até mesmo os diabéticos, que dependem de insulina, têm que ir para a cidade, porque não temos eletricidade para acondicionar os medicamentos nem equipamentos para fazer os tratamentos”, diz a enfermeira da comunidade de Mentai, Marcela Amaral, 32 anos.

Nascida na reserva, ela também é uma das que teve que deixar o local e mudar-se para Santarém para estudar. “Passei por tanta coisa, se te contasse, íamos conversar horas. Fui babá, trabalhei em sorveteria”, diz. “Ficamos sujeitos a vários perigos na cidade, as mulheres podem ser violentadas, têm as drogas também”. Depois de formada, voltou para o Mentai, para ajudar a comunidade onde nasceu.

Saúde

Atualmente a Resex conta com seis postos de saúde, de acordo com o presidente da Associação Comunitária de Vila Franca, Raimundo Guimarães Gamboa, 58 anos. Três médicos atuam na região na equipe de Estratégia de Saúde da Família Fluvial, que viaja em barco equipado para prestar atendimento. Os profissionais fazem parte do programa Mais Médicos que visa melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da contratação de médicos brasileiros e estrangeiros para regiões onde há escassez ou ausência desses profissionais.

E quando não há profissionais, a necessidade os cria. Tereza Godinho Guimarães, 77 anos, se descreve como “parteira curiosa”. Ela nunca estudou, mas “teve coragem” e assumiu um parto. O primeiro foi aos 20 anos, depois, mais 109 se seguiram. “Não digo que salvei vida, porque isso não se faz, a gente ajuda e é bom ajudar os outros. Se tivesse um sistema de saúde eficiente, eu não faria parto”, diz.
Desde a criação da reserva, no entanto, ela diz que o número de parteiras jovens tem diminuído. A criação dos postos de saúde e a alternativa de transporte com maior frequência para a cidade diminuíram a necessidade de mulheres que cuidassem exclusivamente de partos.

Construções próprias

É comum que as comunidades se organizem para erguer equipamentos públicos. Em Surucuá, a construção do posto de saúde chegou a ser aprovada, mas, segundo o líder comunitário Ivaldo Cruz Basílio, 43 anos, a verba nunca chegou. A própria comunidade se organizou e começou o planejamento. “Temos já uma enfermeira e um postinho de saúde, mas precisamos de um maior, que é esse que estamos construindo”, diz.

A comunidade de Anã também aguarda a construção de uma unidade básica de saúde. Um posto temporário funciona em uma casa construída pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para habitação. “Hoje lutamos por uma unidade de saúde. Nós mesmos já escrevemos o projeto com o modelo de unidade que queremos”, diz o técnico de saúde da comunidade, Antonio Cardoso. “Às vezes aqui não esperamos muito pelo Poder Público, às vezes a gente depende, mas quando a comunidade quer, tem um objetivo, ela mesma constrói. No caso de uma unidade básica de saúde, precisamos de parceria”, explica.

Estado e município

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde Pública diz que haverá um incremento para reforma e ampliação do bloco cirúrgico e entrega de equipamento no hospital municipal do município de Belterra. Segundo o órgão, a unidade está próxima à reserva extrativista.

Já a prefeitura de Santarém, responsável pela atenção básica de saúde, diz que todas as comunidades das regiões do Tapajós e Arapiuns, incluindo aquelas que não fazem parte da Resex, “possuem a cobertura dos serviços de saúde”. A prefeitura acrescenta que tem interesse em ampliar as equipes de Estratégia de Saúde da Família Fluvial e já está adquirindo um novo navio-hospital para reforçar o atendimento às populações ribeirinhas.

A região tem quatro equipes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e três equipes de Estratégia de Saúde da Família Fluvial. A área conta ainda com oito unidades básicas de saúde, dois postos de saúde, além de equipes extras formadas por enfermeiros e técnicos de enfermagem.

Em relação à educação, a prefeitura diz, em nota, que as ações são voltadas ao atendimento das populações em regime de equidade, acessibilidade e qualidade de ensino e que todos os projetos de educação ofertados nas escolas da cidade também são oferecidos nas escolas do campo.

Responsável pelo ensino médio, a Secretaria de Educação do Pará diz que as implantações são feitas “conforme solicitações”. O atendimento na região se dá por meio do Ensino Médio Modular Indígena. Ao todo, segundo a secretaria, foram diplomados 73 professores indígenas e há uma demanda de nova turma com 40 alunos.

Fonte: Agência Brasil