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Polícia

Rebelião com 60 mortes expõe caos e descontrole do sistema penitenciário do Estado

A carnificina no Compaj, que mantinha 1.229 detentos foi manchete na mídia nacional e internacional

A carnificina no Compaj, que mantinha 1.229 detentos foi manchete na mídia nacional e internacional – foto: Divulgação

A rebelião mais violenta da história dos presídios de Manaus, ocorrida na tarde de domingo (1º), expõe a fragilidade e descontrole do sistema penitenciário do Estado. A guerra de quase 17 horas entre as facções criminosas Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC) terminou com 56 mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), quatro execuções na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e a fuga de 184 presos do regime semiaberto do Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), através de um túnel.

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A carnificina no Compaj, que mantinha 1.229 detentos foi manchete na mídia nacional e internacional. A matança é considerada a segunda maior do sistema prisional do Brasil, perdendo para o Carandiru em 1992, com 111 mortos. Na época, policiais militares entraram na penitenciária e, deram ao fim à rebelião. Por conta disso, 600 PMs foram condenados pela Justiça paulista.

Todos os 60 mortos eram membros do PCC – foto: Divulgação

De acordo com o secretário da Secretaria de Estado de Administração Penitenciário (Seap), os rebelados receberam apoio dos internos do semiaberto, que passaram facões, espingardas e pistolas aos membros da FDN. Em seguida, eles fizeram um buraco na parede, que divide os dois presídios, dando início ao derramamento de sangue nos pavilhões. Mesmo com a selvageria, Pedro Florêncio não admite a falha do governo do Estado.

“Não acredito que tenha sido uma falha de inteligência. O que ocorreu foi um acerto de contas entre as facções criminosas, que tinha como principal objetivo de eliminar o rival”, disse Florêncio.
Ao ser questionado sobre a entrada de armas na penitenciária, o secretário da Seap não soube informar.

Reféns

O secretário Pedro Florêncio informou que, além dos 13 funcionários da empresa Umanizare, outros 70 foram mantidos reféns. Ele também confirmou a morte do ex-policial militar Moacir Jorge Pessoa da Costa, o ‘Moa’, que foi carbonizado.

“Iniciamos a negociação e evitamos mais mortes. Não houve exigências por parte deles, apenas o motivo era exterminar membros do grupo rival. Nessa ação brutal, o ‘Moa’, acusado de integrar uma organização criminosa comandada pelo ex-deputado estadual Wallace Souza – já falecido, foi carbonizado”, destacou Florêncio.

Já o secretário da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), Sérgio Fontes, pediu ajuda do governo federal, deixando claro que o Estado não tem controle diante do problema.

“Não se trata de um problema apenas do sistema penitenciário e muito menos um caso isolado do Brasil. É algo muito maior do que imaginamos, já que a disputa dentro dos presídios é também uma extensa guerra fora das unidades prisionais”, explicou Fontes.

Até agora, não há uma explicação oficial de como as armas de fogo e branca entraram no Compaj. Nas redes sociais, imagens e vídeos de detentos com terçados, facões, pistolas e espingarda, eram divulgados durante o motim.

Para Fontes, as armas tiveram facilitações de presos do regime semiaberto, que ao retornarem ao presídio, deveriam ser revistados. Todas as dependências das unidades prisionais são monitoradas por câmeras, controladas pelo Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICC-R).
“Vamos aguardar o laudo da perícia criminal e responsabilizar os culpados criminalmente”, disse Sérgio Fontes, durante a coletiva de imprensa.

Guerra entre as facções criminosas

Ao longo do ano passado, oito túneis foram descobertos nos presídios, dando indícios de fuga em massa dos presidiários. A guerra entre as facções criminosas FDN e PCC eram iminentes. Segundo Sérgio Fontes, a guerra pelo controle do tráfico de drogas é vivenciada em outros Estados, mas com proporções menores.

“O controle pelo tráfico de drogas tem afetado não apenas o Amazonas, mas todas as partes do Brasil. A guerra é por espaço”, destacou Fontes.

Rompimentos

Em outubro do ano passado, o Comando Vermelho (CV), com origem no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital, fundada em São Paulo, romperam, gerando conflitos em cadeias da região Norte e Nordeste. O motivo desse rompimento foi a morte de três líderes do PCC de Manaus, em 2015, por membros da FDN, hoje aliada ao CV.

Transferências de líderes

Na segunda-feira (2), o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, desembarcou em Manaus para acompanhar o andamento das investigações do massacre. Em coletiva de imprensa, o ministro anunciou que os líderes das facções criminosas FDN e PCC serão identificados e depois transferidos para presídios federais de segurança máxima do País. A medida foi tomada após a rebelião sangrenta, a maior da história do sistema prisional do Amazonas, que resultou na morte de 56 presos do Compaj e quatro da UPP.

“A identificação dos líderes da matança está sendo investigada pela Polícia Civil. Já há indícios de quem foram os participantes. Identificados, será feito o pedido de transferência das lideranças para os presídios federais. É um pedido extremamente importante que o Ministério da Justiça auxilia. Nesse momento não é necessário à presença da Força Nacional. Neste caso, onde houve mortes em rebelião, não é uma situação de insegurança”, disse o ministro Alexandre de Moraes.

Recursos

O ministro Alexandre Moraes confirmou a liberação de recursos para os investimentos no sistema prisional do Estado, pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). De acordo com ele, serão repassados R$ 45 milhões para cada Estado e cerca de R$ 32 milhões para a construção de dois presídios que devem abrigar 1,2 detentos.

Omissão do Estado

Para o advogado Glen Wilde do Lago Freitas, da Comissão Nacional de Direitos Humanos do conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Amazonas, o Estado foi omisso.

“O Estado foi omisso, negligente e não fez nada para evitar a chacina dentro dos presídios. Era uma tragédia anunciada. Não se coloca gasolina ao lado do fogo. Os membros do PCC, eram para ser colocados em outro presídio e não ser separados por parede de um pavilhão”, disse o advogado.

O advogado informou que o massacre do Compaj e UPP será relatado aos integrantes da OAB, em âmbito nacional, e que até a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ser acionada para tomar providências e avaliar a omissão do Estado.

“Vamos solicitar da Seap, com base na Lei de Acesso à informação, do artigo 12.527 de 18 de novembro de 2011, o número da relação de detentos do Compaj, como o total de presos custodiados na unidade prisional, além do número de presos que estavam cumprindo pena provisória no local e ainda o efetivo de policiais militares durante a rebelião”, completou o advogado Glen Wilde do Lago Freitas.

A OAB, também irá solicitar, informações sobre a empresa terceirizada Umanizare, que presta serviços na unidade, como o número do efetivo da empresa, o contrato de prestação de serviços e o fluxo de pagamento dos funcionários.

Mortos

A motivação da rebelião foi uma briga pelo controle maior das drogas entre as facções criminosas FDN e PCC. Todos os 60 presidiários mortos eram integrantes do PCC, considerado uma organização menor no Amazonas. Entre os desafetos da FDN, estão os estupradores, conhecidos como ‘Jacks’. A maioria foi decapitada.